Gazeta Neocívica de Geniov

13.11.07

Um outro ângulo

Os leitores habituais desta gazeta já estão familiarizados com meu nome e com meus textos, e por isso devo informar que esta é a última vez que escrevo para a Gazeta Neocívica de Geniov.

Motivo: vou embora de Geniov.

Duas semanas se passaram desde o evento final e mais intenso da história do Olho de Demiurgo. Todos estão aliviados agora que o pior passou, mas poucos conhecem a natureza dos acontecimentos que tomaram lugar no nosso planeta cúbico braçado. Mais do que isso, poucos entendem as reais conseqüências. Espero que este meu último artigo sirva seu propósito de esclarecimento.

Quem conhece a história de Geniov sabe que uma de nossas cidades mais antigas e enigmáticas é Seifer, a cidade dos constructos. Até então ninguém conhecia o fundador da cidade, e ninguém sabia a função de tantos golens circulando 24h por dia. Seifer foi fundada por Akim, um poderoso conjurador arcano sintonizado com energias de mundos distantes e ainda mais alienígenas que o Útero. Akim desenvolveu um ritual para chamar criaturas destes mundos, criaturas poderosas o suficiente para acabar com toda a vida em Geniov, tão aterrorizantes que sua mera aparição fez com que Veniza se esvaziasse.

Seifer já existe há séculos, mas o ritual só foi feito agora. Por que? Simples... o ritual precisava de uma brecha na conexão entre o Olho e nosso mundo, uma brecha que significaria a volta de Demiurgo a Geniov. Com essa brecha, o ritual poderia drenar a energia divina do próprio Demiurgo para trazer os monstros de Akim.

Felizmente, os grandes magos de Illidan conseguiram interromper o ritual, destruir Akim e salvar Geniov. Seria mais um final feliz... mais do que feliz, seria o final perfeito, pois, com a volta de Demiurgo, Veniza retornaria a seus tempos de glória paradisíaca.

Ironicamente, a interposição entre o final feliz e o final real veio por meio da própria salvação, de um dos fundadores de Illidan: Diabolique, auto-intitulada filha da Serpente. Seu proselitismo mágico alavancado por Oni e materializado no Lyceu Arcano já era conhecido, e razoavelmente bem-sucedido na face do nosso mundo. Diabolique chegou a tentar traçar uma relação entre a Serpente e o próprio Demiurgo na Gazeta, talvez numa tentativa incauta de compreender a natureza destas duas entidades, ou possivelmente apenas como uma ferramenta de compartilhar fiéis.

Se a relação não existia, veio a existir: com um ritual muito semelhante ao de Akim, Diabolique trouxe a Geniov alguma coisa. Se de fato era a Serpente não se sabe, pois poucas testemunhas existiram, e menos sobreviventes ainda. O que se sabe são as conseqüências: todos os que ainda ficaram em Veniza na ilusão de presenciar algum evento incrível morreram; Demiurgo morreu através do ritual que drenou toda sua energia; o Olho de Demiurgo não mais existe, assim como as maravilhas que de lá vinham; a cascata de Veniza não mais existe, e em nossa cidade restou apenas pedra.

Muita gente acha que, essencialmente, Veniza continua a mesma coisa. Eu digo, Veniza morreu. Morreu materialmente: sem a cascata d’água, nossa cidade é apenas um pilar de pedra de difícil acesso com o continente; morreu espiritualmente, pois não temos mais Egrégoras unificadoras, ou o fascínio pelas coisas que caíam do Olho, ou a esperança curiosa da volta de Demiurgo; morreu politicamente, pois sem o Olho de Demiurgo, Veniza não é mais um dos pólos mágicos mais cobiçados de todo o Multiverso, mas apenas mais uma cidade eclética em um mundo estranho; morreu demograficamente, pois apenas uma parte muito pequena das pessoas que saíram de Veniza durante a evacuação chegou a voltar. Ainda que finalmente iluminada pelo sol, Veniza é hoje uma cidade sombria, vazia, um fantasma da glória que um dia representou.

Ainda que a adivinhação não seja minha especialização, consigo ver com clareza o futuro de Geniov: os povos independentes vão se aproveitar da queda de Veniza, e um conjunto de guerras medíocres vão eclodir em função de problemas mundanos como transporte ou alimento. Com o tempo, as entidades que vieram a Geniov com fins de pesquisa e investimento mágico vão embora, em busca de destinos mais interessantes. Aqueles que ficarem viverão de nostalgia.

Por isso, eu vou embora de Geniov. Àqueles que também vão, boa sorte em tentar encontrar um lugar tão inspirador e que nos faça sentir tanto orgulho de viver como um dia foi Veniza. Àqueles que ficam... cuidado com os homenzinhos negros.

Milfor Ambrosio
Ex-diretor do Centro de Pesquisas Sobre O Olho de Demiurgo